quarta-feira, 18 de novembro de 2009

O Policial que Morreu no Intervalo

Desde que iniciei esse blog, venho contando aqui histórias mais antigas da minha carreira, apesar de nunca ter me preocupado com ordem cronológica. Mas, há mais ou menos uma semana, aconteceu uma que eu prometi postar o quanto antes. Atualmente, sou gerente regional de jornalismo de uma rede de tv nacional na Bahia e comando uma equipe de quase quarenta jornalistas que fazem cinco telejornais diários (um deles de veiculação nacional e outro de exibição em toda a região nordeste). O caso aconteceu no telejornal noturno.

Durante a tarde, um policial militar havia sofrido um atentado num dos bairros mais movimentados da cidade. Foram dois tiros disparados contra ele. O pobre foi encaminhado ao hospital e as primeiras informações davam conta de que ele estava em estado grave. Pois bem. A editora executiva, responsável pelo fechamento do jornal, orientou o repórter a contar a história sem dar o desfecho. Afinal, o quadro de saúde do policial poderia mudar e a reportagem ficaria desatualizada. Essa informação ficaria para a cabeça da matéria. O problema é que ela também resolveu colocar o assunto como destaque na chamada do intervalo e, normalmente, os fechadores adiantam esses textos. Minutos antes do jornal entrar no ar a informação chegou na redação, via apuração: "Olha gente, o policial morreu agora". Imediatamente a editora reescreveu a cabeça da matéria, reimprimiu as laudas, atualizou o TelePrompter e... esqueceu de mudar a chamada do intervalo.

Já deu prá imaginar o resultado? Na passagem de bloco, o apresentador anuncia em tom de gravidade:"Mais um policial baleado. Ele continua internado em estado grave no hospital". Entra o comercial e a primeira matéria da volta é a história do tal atentado. E lá vai o apresentador: "Mais um policial assassinado na Bahia. Morreu agora há pouco no hospital um policial baleado durante atentado no bairro..."

Eu estava na redação e havia acompanhado o desenrolar da história. A executiva desce do switcher para a reunião de avaliação: "Eu errei, a culpa foi minha"- foi a primeira frase dela ao me ver com cara de poucos amigos. Passada a reunião e as broncas de sempre vem a conclusão. A maioria não deveria nem ter percebido a falha. Mas, para o telespectador mais atento, o policial teria morrido mesmo durante o intervalo. Afinal, se ele estava em estado grave quando entraram os comerciais e na volta havia falecido... essa seria a única explicação lógica. Resta saber se alguém acreditaria numa redação com tanta agilidade para apurar e atualizar informações...

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Numa Redação de Verdade

Já tive a oportunidade de escrever aqui sobre como iniciei no jornalismo, ainda no interior de Minas Gerais, num pequeno jornal semanal. Pois bem. Pouco menos de um ano depois de ser "escolhido para uma profissão", acabei retornando para minha cidade natal no interior de São Paulo, cheio de planos para continuar na área. Eu tinha 19 anos, muita vontade e nenhuma formação específica que me garantisse vaga. Mas, como sempre fui atrás dos meus sonhos, resolvi bater na porta de um dos jornais diários mais importantes e tradicionais da região em busca de uma oportunidade. Claro que nem consegui ser recebido por quem quer que fosse. A desilução quase me fez desistir e eu acabei arrumando emprego de vendedor de consórcio, já que precisava de dinheiro para pagar as contas do mês da casa. Nessa época eu ainda morava só com meu pai e era o único que trabalhava.

Pouco tempo depois da minha tentativa frustrada de conseguir uma entrevista de emprego no tal jornal, aconteceu mais um fato que provou que o meu destino era mesmo o jornalismo. Eu estava com meu pai numa das ruas mais movimentadas da cidade quando ele reencontra um velho amigo. Eles haviam trabalhado juntos na área de cozinhas planejadas e ele agora era dono de uma das maiores empresas regionais do ramo. Conversa vai, conversa vem, acabaram chegando na minha vontade de continuar trabalhando como repórter. Ele era um dos maiores anunciantes do jornal em questão e se propôs a ajudar. Naquela época ninguém sonhava com e-mail, celular e outras novidades tecnológicas. Resultado: ele fez uma carta de punho, ali mesmo na rua, endereçada ao diretor comercial do jornal. "Pelo menos vou ser recebido por alguém"- pensei.

No outro dia pela manhã estava no jornal de novo, agora com a tal carta de recomendação. O diretor me atendeu. O jornal era uma empresa familiar. O diretor comercial era um dos filhos do fundador, que ainda estava vivo e tocava o jornal pessoalmente com a esposa e o outro filho, que exercia a função de editor chefe e era professor de jornalismo. Um terceiro filho, o mais novo, era fotógrafo. A conversa foi rápida. A carta pedia uma oportunidade e ele quis saber qual era o meu desejo. Não pestanejei. "Quero ser repórter"- respondi. A decisão dele me surpreendeu. Chamou o pai na sala prá me apresentar.

Quando o fundador do jornal entrou, eu gelei. Ele se apresentou rapidamente e pediu que o acompanhasse. Subi as escadas para o primeiro andar do prédio atrás dele. A sensação que eu tive ao chegar ao local ainda habita meu interior. Eu pisava pela primeira vez numa redação de verdade. Eram mais ou menos quinze máquinas de escrever de ferro, daquelas bem pesadas, antigas, e dois aparelhos de telex no canto da grande sala. Hoje, ainda sou capaz de ouvir o barulho das teclas das máquinas produzindo notícias, da chegada insistente dos textos no telex, do cheiro de tinta misturado ao cigarro, que muitos jornalistas da época não abriam mão. Observei vários rostos me dirigindo olhares curiosos. Fiquei verdadeiramente extasiado e ali tive a certeza de que era isso que eu queria prá toda minha vida. A voz forte do fundador interrompeu meus pensamentos: "Você vai escrever uma carta para o jornal, defendendo sua contratação. É o seu teste. Pode sentar em qualquer mesa."

Hora da verdade. Talvez meia hora depois estava com o texto pronto. A ordem foi voltar na tarde seguinte e procurar pelo outro filho, o editor chefe, prá saber a resposta. Não consegui dormir naquela noite. Pela manhã, não fui pro consórcio. Perambulei pela cidade até a hora marcada e me encaminhei para o jornal. O editor chefe ficava numa sala separada por vidros da redação, sozinho, onde via tudo e era visto por todos. Ele me atendeu com a minha carta em mãos e foi rápido. "Olha, acho que você tem potencial. Vamos fazer o seguinte. Você vai ficar quinze dias com a gente. Se conseguir entrar no ritmo do jornal vai ser contratado. Caso contrário, a gente paga seus dias de trabalho e você vai em busca de outra oportunidade. Aceita?"

Imagina a resposta. Claro que sim. Comecei no dia seguinte e aqueles quinze dias foram minhas primeiras lições práticas de jornalismo diário. Uma outra história que vale a pena ser contada mais adiante.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Culpa do Editor

Do alto dos meus mais de vinte anos de carreira posso garantir uma coisa: vida de repórter que se mete em invasões de terra não é fácil mesmo. E essa foi mais uma das minhas aventuras ao cobrir as ações do Movimento Sem Terra no interior de São Paulo que vale a pena ser contada. Há dias eu estava numa feira agropecuária só fazendo pautas prá lá de tranquilas. Julgamento de animais em pista, leilões, shows sertanejos e materinhas de comportamento. Numa daquelas manhãs preguiçosas o telefone toca. Era meu chefe. Eu deveria ir pro aeroporto imediatamente. Uma fazenda produtiva havia sido invadida no extremo oeste do estado por famílias do MST e o dono da fazenda (amigo pessoal do proprietário da emissora, diga-se de passagem), havia disponibilizado um avião bimotor para que eu pudesse chegar rapidamente no local com a equipe técnica. A reportagem seria para o principal jornal de rede da faixa noturna e a responsabilidade era grande. A orientação era deixar claro que a fazenda era produtiva e caracterizar a ação como um verdadeiro crime.

Trabalhei rapidamente ao chegar no local. Fechei a matéria no caminho para a pista de pouso com ajuda do editor em São Paulo contando, inclusive, com imagens de arquivo de um projeto de parceria de produção de algodão na fazenda. Eu mesmo tinha feito essa reportagem cerca de um ano antes. A tinta deveria ser forte. Mostrar que a ação dos sem terra era descabida e criminosa, prejudicando uma área usada para a agricultura. Ordem cumprida. A reportagem exibida agradou em cheio a direção da emissora e o dono da fazenda. Eu já estava de volta prá tal feira e tinha dado o assunto por encerrado. Engano. Na manhã seguinte, veio a encomenda: voltar na fazenda e "suitar" a história. A mesma operação foi montada. Fomos de avião até uma pista de pouso próxima e de lá um táxi esperava prá levar a equipe até a fazenda invadida.

O problema foi quando eu cheguei na área. Um grupo de sem terra estava reunido. Eu cumprimentei o pessoal de longe, passei pela cerca de arame e me aproximei. Outros sem terra chegaram, com foices e enxadas. O líder da ação foi claro para o cinegrafista: "Desliga a câmera que o negócio vai ficar feio prá vocês agora". Eles estavam visivelmente alterados e raivosos. Haviam assistido a matéria do dia anterior e não gostaram nada do encaminhamento. Começaram a cobrar exlicações com as foices e enxadas levantadas. Achei que ia morrer ali e ser enterrado em qualquer buraco. A coisa ficou pior quando olhei o taxista. Ele estava na estrada de terra, percebeu a situação e foi embora. Isso mesmo. Deixou a gente no meio do nada. Pensei rápido. A única solução foi culpar o editor. Expliquei que era ele quem mandava na reportagem, que eu havia discutido a questão, me mostrei indignado, fiz um teatro e tanto. Foram momentos tensos. Alguns sem terra gritavam. Outros batiam as ferramentas. Minha situação ficava cada vez pior.

Só depois de muita conversa consegui convencer o líder a nos liberar, em troca de uma entrevista que eu jurava que seria exibida na íntegra. A câmera foi religada e ele falou o que teve vontade. Juntamos o equipamento e fomos embora à pé pela estrada. Só bem adiante reencontramos o taxista que havia abandonado o local. "Fiquei com medo dos caras atacarem meu carro, mas estava esperando vocês" - foi a justificativa. Nem briguei com ele. Melhor um táxi longe do que ir à pé até o avião. Liguei prá redação e passei o caso. O cinegrafista (medroso) havia mesmo desligado a câmera. Tive vontade de matar o infeliz que havia perdido tudo aquilo. Não acreditei. De qualquer modo, fechei outra reportagem com as imagens do dia anterior e fiz uma passagem ali mesmo na estrada. Claro que a entrevista do líder foi cortada. Outra vez a matéria foi uma saraivada de críticas à ação dos sem terra. Tudo feito com uma condição: naquela fazenda eu não voltaria mais. E a culpa seria toda do editor.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Fundo do fosso

Eu já disse aqui que minha passagem como radialista esportivo rendeu várias histórias. Uma das mais vexatórias, com certeza, aconteceu durante a transmissão de uma partida de futebol numa cidade do interior paulista, onde a equipe deveria acompanhar um jogo da segunda divisão do Campeonato Estadual. O estádio era velho conhecido de todos nós. Construído na década de 70, possuía uma característica comum à algumas praças projetadas na época: tinha um fosso que separava o campo de jogo das arquibancadas. Uma medida de segurança para evitar invasões da torcida, que com o tempo havia sido extinguida na maioria dos estádios. Naquele, não. Tudo bem que o fosso não era tão fundo e ficava relativamente afastado das chamadas "quatro linhas". Mas não havia nenhuma grade de segurança entre o fim do gramado e o começo do fosso.

Tudo pronto para a transmissão, desci para o campo e coloquei o equipamento: fone e microfone "canequinha" (tudo com fio, claro). O plantão passa a bola para a abertura da jornada. Roda a pomposa e épica vinheta da "maior e melhor equipe do rádio do interior de São Paulo". O locutor anuncia o "início do espetáculo" e aciona os repórteres em campo para mais um show de informações. Eu e meu companheiro de gramado começamos o trabalho. A retrospectiva dos times, classificação, desfalques e as escalações prováveis das equipes, mantidas em sigilo pelos treinadores. Mais uma tarde de domingo sem grandes novidades prá quem está acostumado à rotina de acompanhar futebol pelo rádio.

O início do jogo se aproxima. Depois das escalações e entrevistas de praxe, os repórteres precisam deixar o gramado para o começo do jogo. Últimas informações antes de rolar a bola e lá estou eu falando sem parar. Sabe-se lá por qual motivo eu falava e andava prá trás, sem olhar. Instintivamente. Foi quando, de repente, senti que faltou chão sob meus pés. E eu desabei com microfone, fone, cabos, anotações e tudo que eu tinha direito. O barulho foi ouvido no ar, já que o microfone estava aberto. O locutor: "O que aconteceu?". E eu, na maior inocência, respondi no ar, como se falasse para um amigo: "Caí no fosso!". Pronto, estava feito o estrago. Sorte que o estádio estava relativamente vazio e a torcida não estava prestando muita atenção no repórter desastrado. O pessoal do banco de reservas mais próximo me ajudou a subir de volta. Não cheguei a me machucar, mas também não consegui terminar a transmissão. A vergonha era tanta que só voltei a um campo de futebol duas semanas depois. E naquele não tinha fosso.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Tiros na Fazenda

Não tenho nada contra reforma agrária. Pelo contrário. Acho, inclusive, que a divisão de terras no Brasil está longe de atender às necessidades de quem realmente precisa e tem identidade com o campo. Mas a cobertura jornalística das ações do Movimento Sem Terra na região do Pontal do Paranapanema, extremo oeste de São Paulo, me rendeu várias histórias inesquecíveis...

Uma delas aconteceu durante a ocupação, ou invasão (o termo a ser usado depende do veículo de imprensa em que você trabalha) de uma fazenda em Sandovalina, coração do Pontal. Eu estava desde cedo acompanhando a movimentação dos acampados para o principal telejornal de rede da emissora em que trabalhava. O grupo era grande. Um trator da cooperativa de assentados da região também estava sendo usado na ação, o que não era exatamente legal, já que a máquina deveria ser compartilhada por quem já tinha ganho seu pedaço de terra e não em invasões. O líder do movimento no estado dirigia o trator e comandava tudo. Atrás do veículo vinha o grupo de sem terra. O cinegrafista acompanhava cada movimento, gravando palavras de ordem, a marcha dos trabalhadores, detalhes dos rostos queimados pelo Sol e repletos de marcas das dificuldades vividas na pele por aquelas pessoas simples. A turma parou na entrada da fazenda e o anúncio foi feito: o trator iria derrubar a porteira.

"Hora de fazer a passagem da matéria"-pensei. Fui até o líder e combinei como faríamos. Ele só entraria com o trator porteira adentro, derrubando tudo, ao meu sinal. Passei pelo meio da cerca de arame farpado com o cinegrafista e me posicionei com a movimentação de fundo. Dei o sinal e a ação começou. Enquanto eu iniciava o texto, o trator derrubou a porteira e os sem terra invadiam a fazenda aos gritos. Tudo acontecendo exatamente na cena da passagem."Perfeito"- pensei. Foi quando comecei a ouvir barulho de tiros.

A reação foi rápida. Eu e meu câmera nos jogamos no chão. Os "seguranças" da fazenda estavam posicionados num platô de onde atiravam com revólveres e espingardas em direção aos invasores. Todos à cavalo. Eles só poderiam ter chegado naquele meio tempo, já que quando entrei pela cerca não tinha visto nada. Foi uma cena de guerra: gente correndo, gritos, tiros zumbindo. Olhei em direção ao grupo montado. Mesmo da minha posição pouco confortável consegui ver o dono da fazenda com uma espingarda na mão. A gente se conhecia de ocasiões mais agradáveis e por isso comecei a gritar o nome dele, tentando me identificar no meio do caos. Não adiantou. Os tiros só pararam quando todos os sem terra deixaram a fazenda. Ninguém se feriu. Hoje, a lembrança é de que tudo foi muito rápido. Não sei dizer quanto tempo, dez ou quinze minutos no máximo. Os atiradores sumiram em seguida. Levantamos, e mesmo ainda tremendo por causa do susto, terminei a reportagem e voltei com a equipe para a emissora.

Claro que a matéria abriu o telejornal da noite na rede. Muito mais do que eu esperava quando comecei naquela manhã. No dia seguinte, o dono da fazenda deu uma entrevista emblemática e um recado ao governador. De cima do cavalo, com a espingarda encostada na sela ele garantiu: "Dessa vez eu errei os tiros, mas vou treinar a pontaria e da próxima garanto que acerto!". Em quem? Nos sem terra ou nos jornalistas que ficaram na linha de tiro? E olha que eu nem estava invadindo a fazenda...

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Chumbo trocado não dói

Durante uma boa parte da minha vida de repórter, atuei na área esportiva, tanto no rádio como na TV. Como muitos, aprendi lições de improviso, bom humor e acumulei histórias. No início dos anos 90, uma cidade do interior paulista possuía uma das equipes de basquete feminino mais importantes do país. Eu trabalhava numa pequena TV educativa da cidade naquela época e, entre outras funções, era o repórter de quadra nas transmissões esportivas. Era noite de clássico. O time enfrentava seu principal rival, que representava a cidade vizinha. Além da imprensa local, estava presente a imprensa nacional. Uma grande rede também fazia a transmissão da partida e dividindo a quadra comigo estava um dos maiores nomes da crônica esportiva do Brasil. O que era uma honra acabou virando richa entre nós.

A história começou no intervalo do jogo. Naquela época o basquete era jogado em dois tempos e não em quatro quartos, como hoje. E naquela época a tecnologia "sem fio" não havia chegado. Os repórteres viviam amarrados em metros e mais metros de cabos de microfone e retorno de áudio que saiam dos caminhões de transmissão. Era necessária toda uma técnica para não virar uma "macarronada" de fios na hora dos jogos. Pois bem, naquele intervalo eu estava mais esperto e quando o juiz anunciou o fim do primeiro tempo, corri para a principal estrela do esporte no país. O "amigo" percebeu que ia ter que dividir a entrevista e, sutilmente, pisou no meu cabo. E lá se foi o digníssimo repórter que hoje escreve esse caso pro chão da quadra diante de uma torcida que lotava o ginásio. Um tombo memorável. Ele passou na volta, pediu desculpas e ainda perguntou se estava tudo bem. "Tudo ótimo. Não foi nada" - respondi. E tracei meus planos para o fim do jogo.

O time da casa vencia com tranquilidade. Nem prestei atenção no que aconteceu nos momentos finais da partida. Fixei o cabo de transmissão do rapaz. Fim de jogo. Quando ele partiu correndo prá dentro da quadra coloquei o pé. O tombo foi no mesmo nível. De cara no chão. Eu ainda passei por ele antes de chegar com o microfone da modesta TV educativa para entrevistar a estrela. Dei um tapinha nas costas do famoso repórter e, exatamante como ele havia feito, perguntei se estava tudo bem. Ele não respondeu.

Nos encontramos depois em outros tantos jogos. Ele nunca falou comigo. Mas também nunca mais pisou no meu cabo... ao contrário, passava longe...

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Sanfoneiros da Gota

Nessa época de festas juninas o Nordeste se transforma. O forró toma conta das cidades e quem trabalha em comunicação acaba se envolvendo diretamente na cobertura desses eventos, cada vez mais profissionais e grandiosos. E esse mês de junho me fez lembrar de duas histórias. Dois encontros com sanfoneiros famosos que nunca deixaram de lado suas características de simpatia e simplicidade.

O primeiro caso foi durante o Festival Nacional de Arte em João Pessoa. Eu havia sido destacado prá ficar dez dias seguidos na capital paraibana. Fazia matérias para o telejornal da noite e aproveitando a estada, fechava também reportagens no esquema "plano-sequencia" para o programa das manhãs, um feminino-variedades-culinária-informação. Aquela velha fórmula já conhecida de todos. Como os dois produtos eram de rede, não tinha muitos problemas de acesso às pautas que eu mesmo imaginava e "vendia" para São Paulo, já que não tinha produtor me acompanhando. Num daqueles dias o sanfoneiro Sivuca iria se apresentar com a Orquestra de Câmara. Um encontro que, com certeza, valia ser registrado. Consegui marcar com ele no meio da tarde. Uma das conversas musicais mais agradáveis que já fiz. Finda a gravação, o mestre da sanfona me pergunta se eu gostava da música dele (claro que sim!). Respondi que, na infância, gostava de ouvir "Feira de Mangaio", gravada pela Clara Nunes. Dito isso, ele empunha a sanfona e anuncia:"- Então, de Sivuca e Glorinha Gadelha, Feira de Mangaio". E passa a tocar a composição. Apesar de não ter entendido a razão, eu tratei mesmo foi de aproveitar a apresentação exclusiva. O cinegrafista nem lembrou de ligar a câmera. E o objetivo não era esse mesmo. Sivuca ainda me contou a história da composição, feita pelo casal num momento de saudade nos Estados Unidos.

A outra história foi mais recente. Eu era gerente de jornalismo de um canal voltado para o agronegócio brasileiro, mas naquele dia estava apresentando um dos programas. Era uma espécie de revista rural com entrevistas, entradas ao vivo e reportagens especiais. A última atração era sempre musical. Naquele dia, havíamos marcado com Dominguinhos. Um músico extraordinário, autor de vários sucessos e que, ao contrário de muitos menos famosos que ele, costumava chegar sozinho nas entrevistas. Entre uma prosa e um trecho de música, resolvi perguntar a ele como era o processo de composição. Um momento de silêncio e ele começou a tocar a sanfona. Uma melodia manhosa, que me remeteu imeditamente ao interior. Não sabia o que ele estava fazendo e por isso não o interrompi. Talvez dois minutos depois ele parou e me perguntou: "-Tá gravado? É uma composição inédita. Pode pôr no disco". E riu. Mais uma lição inesquecível do talento de um mestre. Sanfoneiros da gota serena, como se diz no Nordeste nessa época de São João e forró.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Loucura no Estúdio

Todo mundo sabe que atingir a perfeição é impossível. É claro que eu nunca desejei isso, mas com o passar dos anos quis chegar a um ponto de equilíbrio na profissão, afinal, no início da carreira tinha aquela impulsividade (ou falta completa de juízo) característica dos vinte e poucos anos. Uma das histórias mais malucas e irresponsáveis da minha vida aconteceu numa rádio FM do interior paulista, onde eu trabalhava como locutor. Eu fazia o horário da tarde e a programação vinha toda gravada da matriz paulistana em fitas de rolo, já divididas em blocos de três músicas com as vinhetas no meio. Nosso trabalho era abrir e fechar os blocos com locução, além, é claro, de operar a mesa e colocar os comerciais. Era uma correria, já que tínhamos apenas três aparelhos "Akay". Era a fita da programação em um e nos outros dois a gente precisava rodar os rolinhos comerciais. Agora, imagine ter trinta segundos para tirar uma fita rolo, colocar a outra, posicionar o início do áudio e colocar no ar. Pois é. E ai de quem desse "branco" na programação. Mas os malucos conseguiam.

Pois bem. Na tarde anterior, antes de ir pro estúdio, eu já havia discutido com o diretor da rádio. O motivo era justo. As horas extras que eu havia feito no mês anterior não tinham vindo no pagamento, o que, infelizmente, acontecia com mais frequência do que a gente gostaria. Reclamei e ele justificou com um "acho que foi erro do RH". Como não era a primeira (nem a segunda, nem a terceira...) vez que isso acontecia, me irritei de verdade. Saí da sala e bati a porta. Naquela tarde foi a vez do diretor entrar no estúdio. Ele esperou entrar a sequência de músicas e veio com a explicação. "Você não fez nenhuma hora extra no mês passado". Olhei prá ele com cara de quem não estava entendendo nada (e não estava mesmo). Afinal, tinham sido mais de trinta horas feitas, o que refletiria de maneira importante no meu "salarinho" da época. Ele continuou com a história, justificando sei-lá-o-quê do horário, do fim de semana... já nem ouvia mais a ladainha. Só percebi uma frase do tipo "você nem é tudo isso".

Levantei da cadeira e dei minha solução definitiva para o problema. "Você é bom?" - perguntei. "Então faz você, porque eu estou indo embora". E foi o que eu fiz. Larguei a rádio no ar, a fita rolando com a última música da sequência e o diretor estupefato. Ele não acreditava na minha decisão. "Você não pode fazer isso" - ele bradou. Deixei ele falando sozinho. Virei as costas, abri a porta do estúdio e fui embora. Nem sei o que aconteceu depois. Voltei na semana seguinte prá acertar as contas no departamento pessoal. Já estava trabalhando em outra emissora. Encontrei o diretor do corredor e ele me prometeu que ali eu nunca mais trabalharia. Hoje eu até concordo com ele. Apesar de estar certo na minha reivindicação, não foi a decisão mais inteligente da minha carreira, com certeza. Tempos depois a gente se encontrou. Mágoas vencidas, ele me recontratou. E nunca mais discutiu minhas horas extras.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Refém de Rebelião - final

Aquela tarde tinha sido insana. Depois de três dias de muito trabalho e pressão, havíamos experimentado emoções intensas. Afinal, ficar refém de uma rebelião era a última coisa que eu poderia imaginar que fosse acontecer naquela empreitada. Momentos depois de sermos colocados na tal ante-sala pelos agentes, a adrenalina começou a voltar ao normal e só então eu me dei conta da maluquice que havia feito e do perigo que havia corrido. Foi quando entrou o diretor da penitenciária, muito nervoso. "Vocês estão bem?"- ele perguntou. Os quatro responderam que sim. "Quero as fitas gravadas" - continuou.
Ninguém entendeu nada. Era óbvio que o material era nosso. Eu e o repórter da outra emissora nos olhamos como que fazendo um trato. As respostas foram absolutamente iguais."De jeito nenhum". Com a nossa recusa imediata, veio a represália. O diretor anunciou que não sairíamos de lá enquanto não entregássemos as fitas. Estávamos sendo detidos sem acusação. Nosso crime era ter gravado uma negociação frustrada com os presos. Eu entendi imediatamente o que acontecia ali. Se as imagens fossem divulgadas pelas TVs o diretor seria exonerado imediatamente. Afinal, havia colocado quatro jornalistas em risco de morte. A conversa começou a ficar acalorada.
"A fita não sai da câmera. O material pertence à emissora e o que o senhor está fazendo é crime. Abra essa porta agora." O tom da minha voz foi aumentando. O outro repórter também se exaltou. A discussão começou a ficar grave. Naquela altura eu já me sentia descompensado. Estava cansado por conta da cobertura exaustiva e as noites mal dormidas na Belina, anestesiado por causa do medo durante o tempo junto aos rebelados e naquele momento revoltado com a situação absurda que enfrentava ali. Parti prá ameaça. Disse que denunciaria a prisão irregular de profissionais da imprensa. Fui apoiado pelo colega que sacou um daqueles celulares pré-históricos do bolso. Acho que nem sinal tinha, mas ele ameaçou ligar prá emissora e abrir um plantão. O diretor se calou e propôs um acordo. Se nós nos comprometêssemos em não divulgar as imagens, seríamos liberados. "Se a emissora concorrente não der as imagens no jornal, a gente também não dá". O trato foi feito. E quem diria, o diretor acreditou e fomos liberados.
Foi o tempo de sairmos pelo portão. Nunca fechei um texto tão rapidamente. O motorista saiu minutos depois da nossa libertação. O da concorrência foi logo em seguida. Naquela noite, nossas reportagens abriram os principais jornais de rede do Brasil. Pouco depois, aconteceu o óbvio: o diretor foi exonerado e a rebelião chegou ao fim. Era o que os detentos realmente queriam. Voltei prá casa depois de fechar o último texto com a sensação de dever cumprido. E uma história que jamais poderia esquecer.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Refém de Rebelião - parte II

Naquele momento em que fomos chamados prá entrar, os quase três dias em frente à penitenciária, as noites praticamente em claro, a falta de um bom banho, os lanches devorados rapidamente e todo o stress da cobertura começaram a valer a pena. Tínhamos uma oportunidade única. Acompanhar o final de uma rebelião de grandes proporções. Assim que as duas equipes de TV autorizadas pelo diretor passaram pelo portão, fomos cercados por agentes de segurança, que falavam conosco nervosamente. "Não saiam de perto de nós e não olhem diretamente nos olhos dos bandidos" - foram as recomendações mais repetidas. Nesse momento já entrávamos no páteo, onde pudemos confirmar da pior maneira a informação das mortes. Três corpos perfurados por estiletes feitos com barras de ferro estavam amontoados numa poça de sangue. Ao redor deles, vários detentos com o rosto coberto por camisetas, improvisando máscaras que deixavam apenas os olhos do lado de fora.

Os líderes da rebelião estavam todos juntos. Não sei explicar direito como ou quando aconteceu. Foi tudo muito rápido e a adrenalina me impediu de registrar a cena com exatidão. Todos gritavam. Agentes e detentos discutiam, sem que eu conseguisse entender direito o que era. Ouvi alguém dizer "sujou","caiu" ou alguma coisa assim. Quando olhei para o lado já estávamos cercados pelos rebelados. Estávamos reféns.

Eu, sinceramente, achei que ia morrer ali. Pensei na minha mulher. Estava casado há dois anos, sem filhos ainda. Não era capaz de entender mais nada do que se falava ao meu lado. O diretor discutia nossa libertação com o líder do movimento, dizendo que manter a imprensa como refém só iria piorar a situação deles. Foram vários minutos de tensão. Não sei dizer ao certo quanto tempo isso levou. Pareceu uma eternidade. Finalmente chegaram a um acordo e nós fomos liberados. Os agentes nos puxaram e saíram conosco num passo rápido, quase correndo. Nos deixaram numa ante-sala com portas de ferro e pediram que esperássemos o diretor.

Olhamos uns para os outros com uma óbvia sensação de alívio. Mas, quem disse que a história acabou aí?

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Refém de Rebelião - parte I

Se tem um tipo de cobertura que deixa qualquer jornalista cansado é rebelião em penitenciária. Primeiro porque, prá quem faz TV, as imagens são quase sempre as mesmas: fumaça de colchões queimados saindo de algum pavilhão distante, viaturas de polícia entrando e saindo e a famosa passagem do repórter com o portão de fundo, já que dali ninguém passa. E o pior é que você não pode "arredar o pé" do lugar. Tem que esperar uma equipe render a outra, o que em determinados casos pode levar muitas e muitas horas. O problema mesmo é quando não tem outra equipe. E era exatamente essa a realidade da emissora que eu bravamente representava na região oeste de São Paulo em 1995.

Sabendo de tudo isso, fui incumbido de ir para uma penitenciária estadual, onde os detentos haviam iniciado uma rebelião durante a noite anterior. As primeiras notícias davam conta de dois mortos. Eu teria que fechar reportagens para o jornal local e os dois nacionais. Pouco mais de uma hora e meia de estrada e lá estávamos nós. Rapidamente fechamos a primeira matéria. O motorista voltou para a emissora com a fita, enquanto eu e o cinegrafista montávamos plantão.
Passamos o resto da tarde sem informações ou imagens que valessem a pena. Liguei para a chefia e veio a ordem: não saia daí. O motorista chegou de volta e nós passamos a primeira noite revezando o banco da velha Belina da emissora. Cada um dormia um pouco, aguardando o desfecho da rebelião ou alguma imagem que valesse a pena (claro que nada aconteceu).

Segundo dia. As emissoras mais estruturadas revezavam suas equipes e a gente continuava lá. O motorista me levou num posto de gasolina ali perto. Fiz a barba, troquei a camisa e o paletó (repórter prevenido vale por dois). Íamos assistindo a cobertura num trailler de lanches que ficava em frente a penitenciária e tinha uma pequena TV. Quando o apresentador em São Paulo chamava as reportagens, vibrávamos. Era o melhor pagamento que poderíamos receber naquele momento. O problema todo é que a tal rebelião não acabava. Já eram três mortos e a negociação não avançava. No início da noite, liguei prá chefia por desencargo de consciência, mas já sabia a resposta... pois é... mais uma noite na Belina e nada de equipe prá render a turma que já estava prá lá de esgotada. O motorista ainda havia sido trocado numa das idas e vindas com as fitas de material a ser editado. Mas eu e o cinegrafista continuávamos lá.
O terceiro dia amanheceu com boas perspectivas. Os detentos davam sinais de cansaço e a rebelião poderia terminar a qualquer momento. Pelo menos essas eram as informações que vinham de dentro dos pavilhões. O juiz corregedor estava lá, junto com todas as autoridades possíveis e imagináveis. Fechei o material pro jornal do almoço (que era em Rede). Pouco depois um agente chega esbaforido do lado de fora. O diretor estava chamando duas equipes de TV prá entrar. Nossa missão seria acompanhar o final das negociações. A rendição dependia da entrada da imprensa.
Eu sabia que aquilo era uma loucura. Nem liguei prá chefia de reportagem. Me ofereci primeiro. Logo atrás veio a equipe da maior emissora que participava da cobertura (revezando, é claro)... Fomos autorizados a entrar na penitenciária. "Não perca nada" - eu disse. Nem precisava. O cinegrafista já tinha desligado o tally da câmera e entrou gravando. O que ninguém imaginava era o que nos esperava ali dentro. Eu conto no próximo post...

segunda-feira, 4 de maio de 2009

A tal Linha Editorial

Primeiro, vamos dar a definição oficial: "Linha editorial é a política predeterminada pela direção do veículo de comunicação ou pela diretoria da empresa que determina a lógica pela qual a empresa jornalística enxerga o mundo. Ela indica valores, aponta paradigmas e influencia decisivamente na construção da mensagem. Orienta o modo como cada texto será redigido, define quais termos devem ser usados e qual a hierarquia que cada tema terá na edição final. No meu caso, a descoberta da tal "linha editorial" foi na prática.

Em fevereiro de 1989, aos 20 anos, eu já trabalhava num dos maiores jornais diários do interior de São Paulo e, junto com um colega que também dava os primeiros passos como repórter, fui destacado para a cobertura do Carnaval. Naquele ano, o prefeito resolveu não liberar dinheiro para as escolas de samba (falidas, como sempre) da cidade. Foi uma confusão. Sambistas reclamando, o povo querendo ver o desfile... sabe Deus o motivo, porque desfile de escola de samba no interior de São Paulo é um espetáculo de fazer chorar. A solução apresentada para acabar com a celeuma foi uma tal "Folia na Praça". Simples. Grupos de samba, mulatas, bandas, tudo na praça central da cidade, de graça, para o povo aproveitar os dias de festa.

Eu e o tal amigo fomos fazer a cobertura no fim de semana. Na nossa visão, o evento tinha sido bom. Praça cheia, muita alegria. Uma opção diferente que havia sido aprovada por todos que entrevistamos. Na segunda-feira, cheios de informações, sentamos na redação e começamos a escrever. O editor tinha nos dado uma página para a história. Mais que suficiente para o texto principal, box, povo-fala e fotos. Em duas ou três horas sem descanso na máquina de escrever, estávamos com as laudas prontas. Levamos para o secretário de redação. O cara era quase sempre mal-humorado. Criticava nossos textos de maneira ácida.

Na primeira leitura já veio a bomba: "Quem mandou escrever assim ?!". Ficamos olhando um pro outro. "Tem que meter o pau nessa festinha. Fizeram uma confusão danada na porta da igreja matriz, impediram os sambistas de desfilar e vocês escrevem como se fosse um sucesso?".Engoli seco. Mas não era prá fazer uma matéria sobre o que apuramos?
Tivemos que reescrever tudo seguindo as ordens do chefe, com uma sensação de incompetência tomando conta das nossas almas recém-convertidas ao jornalismo. "Linha editorial" - foi a explicação. E mais nada. Só tempos depois descobri a relação do jornal com a Igreja (incomodadíssima com a festa naquele local), a briga política com o prefeito que negara a verba para as escolas de samba e a falta de mídia da tal "Folia na Praça" para o jornal.
Uma lição inesquecível sobre a necessidade de adequar certas coberturas. Nunca mais cometi o mesmo erro. Com linha editorial não se brinca...

terça-feira, 28 de abril de 2009

Escolhido para uma Profissão



Quando resolvi escrever este Blog imaginei que deveria começar exatamente pelo princípio. Não que daqui prá frente vá contar meus casos obrigatoriamente de maneira cronológica. Acontece que a maioria absoluta dos jornalistas que conheço sonharam com essa profissão e construíram suas histórias a partir de uma decisão pessoal com apoio (ou não) da família. Mas, de qualquer modo, decidiram ser jornalistas em algum momento da vida. Não foi o meu caso.


Em 1987 eu morava em Ponte Nova, uma pequena cidade do interior de Minas que hoje tem pouco mais de setenta mil habitantes somente com meu pai, um sujeito bacana, mas extremamente problemático. Não vamos discutir minha então conturbada vida pessoal. Não é o objetivo do espaço. Só acrescentei essa informação porque aos 18 anos estava há 4 fora da escola e fazia de tudo prá ganhar dinheiro: vendia capitalização, título de clube, bilhete de loteria, jogo do bicho...


E foi assim que conheci a pessoa que me apresentou ao jornalismo: um padre, diretor de um colégio tradicional da cidade, absolutamente engajado na política local. De vez em quando eu passava no colégio e vendia alguma coisa ao tal padre, que adorava novidades. Acabamos ficando amigos. Pois bem. Numa tarde qualquer encontrei com ele numa das ruas do centro. Uma rápida conversa e o padre contou sua mais nova empreitada. Estava abrindo um jornal com apoio do prefeito, cansado de ser criticado pela única publicação de Ponte Nova, um semanário impresso em linotipo (alguém lembra disso?). Seria um projeto novo, com qualidade de impressão e uma proposta editorial moderna. Não entendi quase nada, mas achei tudo sensacional. E veio o convite. Se eu queria trabalhar no tal jornal? Claro! Seria meu primeiro emprego com carteira assinada.


No dia seguinte, na hora marcada, fui até o colégio onde fui apresentado aos "mentores" do projeto. Uma equipe pequena, quatro ou cinco pessoas. Entre eles, um jornalista experiente, que seria o responsável pelo jornal, semanário, em formato tablóide. O material seria impresso em Juiz de Fora. A primeira e grande decisão do dia foi o nome do novo jornal. Venceu "A Cidade". Eu me transformei em auxiliar de edição sem saber direito do que tratava, mas com a sugestão de escrever uma coluna que trouxesse um resumo de notícias de cultura, artistas, rádio e televisão.


Naquele dia de 1987 Ponte Nova ganhava um novo jornal. E eu era escolhido para uma profissão.