quarta-feira, 19 de maio de 2010

Esquecidos na Torre

Estamos nos aproximando de mais um período eleitoral. E realizar a cobertura jornalística de qualquer eleição é sempre certeza de momentos de expectativa, tensão e cansaço. Por conta disso, dia desses me lembrei dessa história, que há muito não contava prá ninguém. Foi no início da minha carreira de repórter e apresentador de TV. Estava numa emissora educativa do interior de São Paulo, onde a turma se superava diariamente prá conseguir colocar o jornal no ar. As dificuldades eram imensas. Tínhamos apenas uma câmera de externa, que era usada por uma equipe de manhã e outra de tarde. Cada repórter (e eu era um deles) tinha que fazer pelo menos quatro reportagens por período. Claro que as matérias eram pouco elaboradas, normalmente com apenas uma marcação, mas mesmo assim era um desafio. A sede da emissora funcionava num conjunto de salas de um prédio no centro da cidade. Era tudo lá: redação, estúdio, edição... menos a transmissão. É isso mesmo. A gente gravava os jornais e mandava as fitas de kombi (única viatura do jornalismo da emissora) prá torre de transmissão, onde ficavam as duas máquinas de exibição. Imagine o transtorno.

Pois bem. Naquele dia de eleições no início da década de 90, resolvemos fazer diferente. Eu já havia saído pela manhã e gravado vários boletins "valendo". Aquela coisa de contar "3,2,1" e fazer um plano sequência enorme, de mais de 5 minutos, sem erros, com a câmera derivando e mostrando as imagens do local enquanto o repórter entrevista autoridades e povo com assinatura no fim. Material pronto prá colocar no ponto e dar play, sem edição. No início da tarde, eu e uma editora de fechamento fomos prá torre com uma câmera, um cinegrafista, uma máquina de escrever (isso mesmo), um rádio prá irmos ouvindo as parciais da apuração e muita coragem. Coisa de TV artesanal mesmo. Tanto que transformamos um rolo de cabos, daqueles grandes de madeira, em mesa de trabalho. O operador do master ficaria responsável pelo corte da câmera, o áudio e a exibição das reportagens. A repórter que trabalhava à tarde estava nas ruas fazendo mais boletins editados. Quando acabou a votação, iniciei a apresentação do "programa especial". Dava resultados parciais, falava das ocorrências e chamava os boletins feitos durante o dia. Por mais que pareça impossível, deu tudo certo. Não que tenha ficado bom, é claro, mas a tal TV Educativa era a única da cidade até então. E por falta de opção, acho que muita gente assistiu nossa cobertura. Estávamos eufóricos com o resultado.

O pior veio depois. O diretor da emissora havia combinado um jantar com a turma que havia trabalhado naquele dia. Ele mesmo passou pela torre, que ficava na beira da estrada, na entrada da cidade para pegar algumas pessoas. Não me lembro o motivo, mas eu e a fechadora resolvemos esperar a tal kombi que ia passar logo em seguida com o motorista prá nos levar ao restaurante. E esperamos. Dez minutos, quinze, vinte, meia hora. Naquela época não havia celular e a torre não tinha telefone fixo. Orelhão, só a quilômetros de distância. Táxi, nem pensar. Imagine a desolação da dupla de jovens jornalistas. Depois de tanto trabalho, tanta dedicação, esquecidos na torre enquanto o resto da equipe jantava. Mais de duas horas depois chegou o motorista. "Olha"- disse ele, sem saber mentir. "A gente já está jantando. Só lembramos de vocês agora" - e riu. Apesar da raiva, nós também acabamos rindo. Início de carreira faz a gente ter esse bom humor, mesmo quando esquecem da gente na torre.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Porta de Camarim

Tenho que admitir: tive uma fase rebelde na minha vida profissional e isso acabou me trazendo muitas dores de cabeça. Já contei aqui um caso dessa época, quando abandonei um programa de rádio no ar por conta de uma discussão com o diretor. Coisa impensada, parecida com essa história que passo a dividir com vocês. Tudo bem que nessa o final foi bem mais feliz... Naquele mesmo ano eu já estava em outra emissora FM como locutor e repórter. Num fim de semana qualquer, um dos maiores ícones do pop-rock brasileiro (do qual eu era fã, inclusive), ia se apresentar num dos clubes mais tradicionais da cidade. Quando fui escalado para cobrir o show e entrevistar o cantor fiquei muito feliz. Iria conhecer e conversar com um dos meus ídolos de pré-adolescência.

A semana de expectativa passou rápida. No sábado à noite lá estava eu, de crachá no peito, gravador na mão, pronto para a coletiva. O problema é que o tal ídolo não chegava de jeito nenhum. Uma hora, duas, três horas de atraso para o início da entrevista. Um movimento de assessores e seguranças demonstrou que, finalmente, ele estava nas dependências do clube de campo. A entrada do cantor foi meteórica. Passou por nós sem olhar ninguém e se trancou no camarim. O assessor de imprensa que estava com a gente pediu licença e entrou atrás, prometendo uma resposta rápida. E foi mesmo."Ele não quer falar com ninguém"- informou um minuto depois de ter entrado e saído.

Considerei a resposta um desrespeito aos profissionais que estavam há horas esperando uma entrevista. E sem pensar muito em consequências, tratei de deixar muito clara a minha opinião ali mesmo, na porta do camarim do rapaz. Comecei a esbravejar com o assessor, que tentava, sem sucesso, me acalmar. Ele argumentava que o cantor estava cansado, havia chegado do Rio atrasado por conta de vôo, etc. Nada me demovia da porta do camarim, onde eu continuava reclamando.

Minha primeira surpresa foi quando o cantor abriu a porta e colocou o rosto prá fora. "Que gritaria é essa aí?"- perguntou. "Quem é o maluco que está reclamando?". Nem deixei o assessor falar. Em meia dúzia de palavras expressei toda minha indignação com o tratamento que ele havia dispensado à imprensa da cidade, reunida ali por causa dele. "Ah é ? Você acha isso ?" - ele perguntou de novo. "Então entra aqui você que eu vou te dar uma entrevista". O assessor me olhou com cara de quem não estava entendendo nada. Eu também não estava. De qualquer modo, entrei no camarim sozinho e fiz com ele uma exclusiva para a minha rádio. Na saída, o assessor me cutucou: "Eu já ia mandar o segurança retirar você. Deu sorte, chará. ". Nem diga...