segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Quando o "Furacão" Passou por Aqui

Essa história estava até meio esquecida entre tantas coisas que (felizmente) aconteceram na minha carreira. No fim de semana, mexendo em algumas poucas fitas de arquivo que eu tenho, encontrei uma das edições de um programa dedicado ao mundo do rodeio. É importante dizer que nunca fui muito ligado à acervo pessoal, um defeito grave, e por isso tenho pouquíssimas reportagens preservadas em VHS. Mas acabei guardando alguns desses programas, em especial, por serem de exibição nacional numa das grandes redes de TV do país e sucesso de audiência na época. Mas vamos ao que interessa. Eu era responsável por dirigir o tal programa e ainda fazer as reportagens, e naquela edição estava uma histórica: em 1998, o rodeio de Barretos recebeu um dos maiores nomes da música country mundial: Garth Brooks. Em sua única passagem pelo Brasil, o "Furacão de Oklahoma" como era conhecido, deu apenas duas entrevistas exclusivas. Uma delas para mim. Contei essa pequena história para minha filha, que estava ao meu lado sem saber quem era o entrevistado. Foi ela quem sugeriu que colocasse no Blog e por isso resolvi dividir o caso com vocês. Se você não conhece ou não se lembra de Garth Brooks, vale a pena dar uma olhadinha no clipe de um de seus maiores sucessos, que está postado logo abaixo desse caso.

Bom, eu sabia bem quem era o Garth. As músicas dele embalam festas country pelo mundo há alguns anos e em 98 ele já era um dos maiores vendedores de disco da história da música americana. O show em Barretos era um acontecimento. Como eu sabia que estaria lá (o mundo do rodeio "bate ponto" em Barretos), tratei de iniciar o contato com a gravadora mais de um mês antes. A confirmação de uma exclusiva foi quase inacreditável. Seriam quinze minutos cronometrados ao meu dispor num dos ranchos do evento. Apenas o meu programa e a principal revista eletrônica dos domingos havia conseguido essa liberação. Já as imagens do show histórico estavam proibidas para todos. Pela manhã, foi marcada uma coletiva. Eu resolvi participar como assistente em busca de alguma informação extra, mas acabou sendo um fiasco. Parecia mais assédio de fãs do que coletiva de imprensa. Todo mundo queria foto, autógrafo... no final, Garth teve que sair pelo fundo , fugindo de uma imprensa "tiete" que sempre me irritou.

Minha entrevista com ele estava marcada entre 14h15 e 14h30. A outra emissora gravaria das 14h00 às 14h15. Por ordem da gravadora, precisávamos estar no local com equipamento pronto até 13h30. Almoço nem pensar. Chegamos cedo, montamos duas câmeras para gravação simultânea e ficamos esperando na certeza de que o horário não seria cumprido. Engano. Garth foi pontualíssimo e às 14h15 estava ao meu lado para a entrevista. Tenho que dizer que dei uma "tremida". Estava acostumado a entrevistar artistas, mas ele era diferente. Respirei, combinei com o assessor que faria as perguntas em inglês e na sequência em português para ele. Garth responderia depois da pergunta em português. Na edição, eu faria a tradução.

Não sei se por conta do nervosismo justificável na situação ou por causa do sotaque forte do cantor, não entendia uma palavra sequer das respostas. Toquei a entrevista durante os quinze minutos liberados. Garth foi gentil o tempo todo, respondeu "editado" para facilitar minha vida. À noite, ainda consegui liberação para assistir o show no palco. Foi um dos maiores públicos da história de Barretos. Um show inesquecível para os amantes da country music. E uma entrevista exclusiva que rendeu pico de audiencia na exibição e entrou para a minha história.

O Vídeo do "Furacão de Oklahoma"

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Um Quebra-Cabeça da Ditadura

Sempre acreditei que grandes histórias jornalísticas podem surgir de situações simples. E esse caso que vou dividir com vocês, prova a tese de que investigar um bom palpite pode levar o repórter a descobertas que tranformam sua matéria e, em alguns casos, a vida das pessoas envolvidas. No início dos anos 2000, eu era gerente de jornalismo e repórter nacional de uma rede de TV no interior de São Paulo. A jornalista que apresentava nosso local à noite também fazia reportagens diárias. Numa delas, foi até um hospital psiquiátrico da cidade que atendia gratuitamente para fechar uma história simples: uma campanha de arrecadação de doações. Ela resolveu ouvir alguns pacientes para compor seu VT. Entre eles, um era especial. Estava internado há anos no local sem nenhuma referência familiar ou de amigos. Tinha sido encontrado na rua e levado para lá. Havia esquecido totalmente sua história e apesar de amistoso, inteligente e bom de papo, não de lembrava de nada que pudesse ajudar as assistentes sociais nessa busca. Durante a entrevista dela, veio a surpresa. Ele começou a falar sobre tortura: "Eles me deram muito choque" - contava. "Eu fiquei no Dops, eles me bateram muito". As declarações não passaram dessas duas frases, mas quando ela chegou na redação, percebi que a história merecia investigação.
Sabíamos que ele era de Cabrobó por conta do seu documento. Era um José, filho de uma Maria com dois sobrenomes comuns. Tarefa difícil. Resolvemos ligar para Petrolina, a cidade mais importante daquela região em busca de ajuda. Começamos pela Secretaria de Assistência Social, a opção mais óbvia de todas. Na primeira ligação, contamos a história e de imediato tivemos a surpresa: a secretária (ela mesma) tinha os mesmos dois sobrenomes do nosso personagem. "Não é possível" - pensei. Pedi prá falar com ela. Pelo telefone, contei a história do homem sem memória, disse o nome e a filiação. Do outro lado da linha, ela começou a chorar. "É meu irmão. Ele foi para São Paulo clandestino num navio." Quando se acalmou, completou a história. O tal José havia mantido contato com a família até a época da ditadura militar. Era militante político, acabou preso como tantos outros. A mãe recebia as cartas carimbadas pelo Exército. Até que um dia não vieram mais correspondências. Eles procuraram por ele, mas nenhuma informação era dada pelo Governo. José se perdeu nos porões do esquecimento. Do esquecimento oficial do país e dele mesmo, quem sabe por conta das torturas.
Não pensei duas vezes. Voltei ao hospital para conhecer José. Um homem de uns cinquenta e tantos anos, articulado, boa conversa. Incapaz de dizer quem era ou de onde tinha vindo. Nem do Dops ele se lembrava mais. Aquela entrevista tinha sido um lampejo. Um momento, talvez único, por conta do microfone e da câmera. Ofereci a história para o nosso jornal de Rede em São Paulo e claro, ela foi imediatamente aceita. No dia seguinte parti de avião para Petrolina com um cinegrafista. Encontramos a irmã, secretária de Assistência Social. Mostramos a imagem do irmão desparecido no monitor, que ela reconheceu imediatamente. No outro dia fomos até Cabrobó, de carro, atravessando o sertão pernambucano. Entrevistei a mãe e outros irmãos. As cartas dele não existiam mais. A mãe havia queimado tudo, desgostosa com o sumiço do filho caçula e sem esperança de reencontrá-lo após mais de trinta anos. De posse de todo esse material, voltei a São Paulo. Fui na antiga sede do Dops, hoje transformada em museu. Gravei nas antigas celas, entrei numa delas e imaginei José ali, amarrado, torturado pelas suas convicções. No dia seguinte fui aos arquivos policiais da época, abertos pelo regime democrático. Busquei incessantemente a ficha do tal José. Encontrei um registro sem foto de uma pessoa com o mesmo nome, mas sem filiação. Seria ele? Como a maior parte dos registros da época se perdeu ou foi destruída, decidimos não usar aquela ficha na reportagem. Não era possível afirmar responsavelmente que aquele documento era dele. De qualquer modo, fechei a história. Dias depois, José reencontrou a família, que foi buscá-lo no interior de São Paulo. Tudo devidamente documentado pelas nossas câmeras.
Não posso dizer que não me senti orgulhoso dessa reportagem. Montamos um quebra-cabeça de uma vida a partir de uma declaração que poderia ter sido ignorada, já que se tratava de uma pessoa internada numa instituição de tratamento mental. Cada telefonema, cada entrevista, cada imagem dessa história também marcou minha carreira de repórter. Afinal, não é todo dia que a gente consegue promover um reencontro como esse.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Previsões e Coincidências

Não há dúvida. O polvo Paul, fenômeno alemão de clarividência, vai entrar para a história das Copas como seu maior oráculo. Impossível explicar tamanha capacidade de acertar previsões de resultados de partidas de futebol envolvendo as maiores eleções do mundo. Me lembrei até de uma tal Zora Yonara, que fazia o horócopo na TV nos meus tempos de garoto (coisa de quem nasceu na década de 70). Não tenho certeza se ela acertava tanto quanto o molusco marinho em questão, mas a verdade é que essa coisa toda acabou me fazendo lembrar de uma outra história, acontecida no início da minha carreira de jornalista.

No final da década de 80, eu havia conseguido o tão sonhado emprego num dos maiores jornais diários do interior de São Paulo. Pois bem. Em pouco mais de seis meses de trabalho árduo na redação, fui convidado a deixar a reportagem do caderno de Cidades para assumir a editoria de Arte, Cultura e Variedades. Seria o responsável pela página diária e ainda fecharia duas páginas no Caderno de Domingo. Adorei a idéia de primeira. Só de não ter que sair prá fazer externa, já valia a pena. Afinal, naquele tempo não havia internet, celular e outras facilidades tecnológicas. E o pior: o jornal só tinha um carro prá levar e buscar os repórteres. Era praticamente uma "lotação".

Fiz a chamada "transição" com o editor que estava deixando a função prá assumir a editoria de Internacional. Ele me explicou os macetes, o que deveria fazer diariamente, e me mostrou, numa pasta, vários horóscopos já datilografados em laudas, prontos para publicação com suas respectivas datas. Tudo entendido, fui ao trabalho. Além de checar as notícias diárias de cultura, programação e novidades da TV e cinema, tinha o maior cuidado em não trocar as datas do horóscopo, afinal, imaginava que as previões haviam sido feitas realmente para aqueles dias. Mais ou menos duas semanas após meu início na editoria, percebi que as laudas do horóscopo estavam acabando. Fui até o secretário de redação. "E aí ?" - perguntei. "Vamos receber mais laudas de quem faz o horóscopo ?" O secretário de redação, um jornalista experiente e meio mal humorado riu com o canto da boca e não respondeu. Insisti. "Não te falaram como faz ?" - ele perguntou. E já emendou a resposta: "Vai no arquivo do jornal, pega a página de uns três ou quatro anos atrás e datilografa de novo. Não precisa mudar nada". Fiquei com cara de bobo por uns dez segundos. "Sério?" - perguntei. Ele respondeu somente que o método estava sendo usado há pelo menos dois anos.

Discutir mais o quê? Desci no arquivo, peguei uma pilha de jornais velhos e passei a publicar as previsões repetidas. No começo até deu um peso na consciência. Mas, numa manhã qualquer daquele mês, fui tomar café na lanchonete que ficava em frente o jornal (sempre tem uma...). Um casal na mesa ao lado estava com a edição do dia. Pararam no horóscopo e leram as previsões. Espichei o ouvido para os comentários: "Nossa" - ela disse. "Tudo certo. Como esse horóscopo é bom, não é?". O rapaz, que deveria ser namorado, concordou. "Eu leio todo dia. Não saio de casa sem o horóscopo". Deu vontade de contar a verdade. Mas às vezes previsões e coincidências podem acontecer. O polvo que o diga... ou você acredita mesmo que aquele bicho adivinha o futuro?

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Esquecidos na Torre

Estamos nos aproximando de mais um período eleitoral. E realizar a cobertura jornalística de qualquer eleição é sempre certeza de momentos de expectativa, tensão e cansaço. Por conta disso, dia desses me lembrei dessa história, que há muito não contava prá ninguém. Foi no início da minha carreira de repórter e apresentador de TV. Estava numa emissora educativa do interior de São Paulo, onde a turma se superava diariamente prá conseguir colocar o jornal no ar. As dificuldades eram imensas. Tínhamos apenas uma câmera de externa, que era usada por uma equipe de manhã e outra de tarde. Cada repórter (e eu era um deles) tinha que fazer pelo menos quatro reportagens por período. Claro que as matérias eram pouco elaboradas, normalmente com apenas uma marcação, mas mesmo assim era um desafio. A sede da emissora funcionava num conjunto de salas de um prédio no centro da cidade. Era tudo lá: redação, estúdio, edição... menos a transmissão. É isso mesmo. A gente gravava os jornais e mandava as fitas de kombi (única viatura do jornalismo da emissora) prá torre de transmissão, onde ficavam as duas máquinas de exibição. Imagine o transtorno.

Pois bem. Naquele dia de eleições no início da década de 90, resolvemos fazer diferente. Eu já havia saído pela manhã e gravado vários boletins "valendo". Aquela coisa de contar "3,2,1" e fazer um plano sequência enorme, de mais de 5 minutos, sem erros, com a câmera derivando e mostrando as imagens do local enquanto o repórter entrevista autoridades e povo com assinatura no fim. Material pronto prá colocar no ponto e dar play, sem edição. No início da tarde, eu e uma editora de fechamento fomos prá torre com uma câmera, um cinegrafista, uma máquina de escrever (isso mesmo), um rádio prá irmos ouvindo as parciais da apuração e muita coragem. Coisa de TV artesanal mesmo. Tanto que transformamos um rolo de cabos, daqueles grandes de madeira, em mesa de trabalho. O operador do master ficaria responsável pelo corte da câmera, o áudio e a exibição das reportagens. A repórter que trabalhava à tarde estava nas ruas fazendo mais boletins editados. Quando acabou a votação, iniciei a apresentação do "programa especial". Dava resultados parciais, falava das ocorrências e chamava os boletins feitos durante o dia. Por mais que pareça impossível, deu tudo certo. Não que tenha ficado bom, é claro, mas a tal TV Educativa era a única da cidade até então. E por falta de opção, acho que muita gente assistiu nossa cobertura. Estávamos eufóricos com o resultado.

O pior veio depois. O diretor da emissora havia combinado um jantar com a turma que havia trabalhado naquele dia. Ele mesmo passou pela torre, que ficava na beira da estrada, na entrada da cidade para pegar algumas pessoas. Não me lembro o motivo, mas eu e a fechadora resolvemos esperar a tal kombi que ia passar logo em seguida com o motorista prá nos levar ao restaurante. E esperamos. Dez minutos, quinze, vinte, meia hora. Naquela época não havia celular e a torre não tinha telefone fixo. Orelhão, só a quilômetros de distância. Táxi, nem pensar. Imagine a desolação da dupla de jovens jornalistas. Depois de tanto trabalho, tanta dedicação, esquecidos na torre enquanto o resto da equipe jantava. Mais de duas horas depois chegou o motorista. "Olha"- disse ele, sem saber mentir. "A gente já está jantando. Só lembramos de vocês agora" - e riu. Apesar da raiva, nós também acabamos rindo. Início de carreira faz a gente ter esse bom humor, mesmo quando esquecem da gente na torre.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Porta de Camarim

Tenho que admitir: tive uma fase rebelde na minha vida profissional e isso acabou me trazendo muitas dores de cabeça. Já contei aqui um caso dessa época, quando abandonei um programa de rádio no ar por conta de uma discussão com o diretor. Coisa impensada, parecida com essa história que passo a dividir com vocês. Tudo bem que nessa o final foi bem mais feliz... Naquele mesmo ano eu já estava em outra emissora FM como locutor e repórter. Num fim de semana qualquer, um dos maiores ícones do pop-rock brasileiro (do qual eu era fã, inclusive), ia se apresentar num dos clubes mais tradicionais da cidade. Quando fui escalado para cobrir o show e entrevistar o cantor fiquei muito feliz. Iria conhecer e conversar com um dos meus ídolos de pré-adolescência.

A semana de expectativa passou rápida. No sábado à noite lá estava eu, de crachá no peito, gravador na mão, pronto para a coletiva. O problema é que o tal ídolo não chegava de jeito nenhum. Uma hora, duas, três horas de atraso para o início da entrevista. Um movimento de assessores e seguranças demonstrou que, finalmente, ele estava nas dependências do clube de campo. A entrada do cantor foi meteórica. Passou por nós sem olhar ninguém e se trancou no camarim. O assessor de imprensa que estava com a gente pediu licença e entrou atrás, prometendo uma resposta rápida. E foi mesmo."Ele não quer falar com ninguém"- informou um minuto depois de ter entrado e saído.

Considerei a resposta um desrespeito aos profissionais que estavam há horas esperando uma entrevista. E sem pensar muito em consequências, tratei de deixar muito clara a minha opinião ali mesmo, na porta do camarim do rapaz. Comecei a esbravejar com o assessor, que tentava, sem sucesso, me acalmar. Ele argumentava que o cantor estava cansado, havia chegado do Rio atrasado por conta de vôo, etc. Nada me demovia da porta do camarim, onde eu continuava reclamando.

Minha primeira surpresa foi quando o cantor abriu a porta e colocou o rosto prá fora. "Que gritaria é essa aí?"- perguntou. "Quem é o maluco que está reclamando?". Nem deixei o assessor falar. Em meia dúzia de palavras expressei toda minha indignação com o tratamento que ele havia dispensado à imprensa da cidade, reunida ali por causa dele. "Ah é ? Você acha isso ?" - ele perguntou de novo. "Então entra aqui você que eu vou te dar uma entrevista". O assessor me olhou com cara de quem não estava entendendo nada. Eu também não estava. De qualquer modo, entrei no camarim sozinho e fiz com ele uma exclusiva para a minha rádio. Na saída, o assessor me cutucou: "Eu já ia mandar o segurança retirar você. Deu sorte, chará. ". Nem diga...

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Microfone sem Fio

Depois de toda a tensão do último caso, resolvi contar mais uma história mais leve, dos meus tempos de jornalista esportivo. Aliás, agradeço todos os dias o chefe que me colocou prá fazer transmissão de futebol naquela rádio AM. Uma escola e tanto. Bom, como já disse aqui outras vezes, no início dos anos 90 ser repórter de campo exigia paciência sem fim e muita habilidade prá lidar com metros e metros de cabos de microfone e retorno. Naquela tarde de domingo eu estava na transmissão de uma partida importante da série A do Campeonato Paulista. Corínthians em campo com time completo, contando com várias estrelas do futebol nacional. E aí, é claro, a responsabilidade do repórter cresce. É preciso dar informação com qualidade, chegar primeiro nas entrevistas, ajudar a fazer a diferença na transmissão.

Desde o começo da transmissão eu havia percebido que meu microfone estava com problema. Trabalhávamos, na época, com um modelo apelidado de "canequinha". Um clássico das jornadas esportivas. Tinha uma qualidade e tanto, mas o conector do cabo não era encaixado. Era de rosca. E a rosca do meu estava frouxa. Caía o tempo todo. Durante todo o jogo eu sofri com o tal cabo que se soltava. Conversei com o técnico da rádio, mas não havia a mínima possibilidade de trocar o equipamento. Ele não tinha trazido cabo reserva no carro. Apesar disso, era necessário tocar a transmissão e eu era o repórter que fazia o Timão.

Fim de jogo. O Corínthians vence. Os repórteres invadem literalmente o campo atrás dos seus entrevistados. Um era especial naquele fim de tarde na capital paulista. Havia feito um golaço de falta, era artilheiro da equipe. Foi a minha escolha imediata. Cheguei correndo no camisa 10 e saquei logo a pergunta. Outros repórteres encostaram em seguida com seus microfones. Foi quando percebi que o jogador em questão respondia olhando fixamente para o meu microfone. O cabo havia caído. Eu segurava apenas o microfone, como se fosse um desses sem-fio de hoje em dia. Não deixei que minha expressão de pânico durasse mais que cinco segundos. Pelo retorno confirmei que estava fora do ar, mas mantive a pose de entrevistador sério. Ainda fiz mais uma pergunta e depois me afastei.

Finda a entrevista, quase entrando no vestiário, ele bate nas minhas costas: "Aquele microfone é assim mesmo?" - perguntou. Respondi rápido, antevendo uma evolução tecnológica que chegaria aos estádios anos depois: "É sim. É sem fio".

quinta-feira, 18 de março de 2010

Os Grandes também Erram...

Essa é uma das histórias que considero como das mais interessantes da minha carreira. Se o texto ficar um pouco longo, tenham paciência... vocês vão ver que vale a pena. Na época, eu trabalhava no interior de São Paulo como gerente de jornalismo e repórter de rede de uma emissora nacional. Já estava na cidade há nove anos e por conta disso tinha um excelente relacionamento com os diversos setores da sociedade. Pois bem. Naquele fim de tarde de uma sexta-feira de março de 2003 resolvi ir mais cedo prá casa. Minha mulher tinha aula e eu precisava liberar a empregada e ficar com nossos dois filhos. Mal havia colocado o pé prá dentro e o celular tocou. A informação era de que o juiz corregedor dos presídios havia sido assassinado naquele instante. Nem pensei. Liguei imediatamente prá emissora e mandei um cinegrafista pro local indicado. Pedi prá empregada ficar, me enfiei no primeiro terno disponível e parti com meu carro prá rua próxima ao Fórum onde havia acontecido o atentado.

De primeira percebi a importância da história que tinha em mãos. Falei com a chefia em São Paulo que fez os pedidos: matéria em plano sequência para o jornal popular da tarde seguinte, reportagem fechada para o último jornal da noite e link atualizando as informações. Foi tudo tão rápido que nem tive tempo de lamentar direito a morte do juiz, que além de tudo era um dos muitos amigos que eu tinha conquistado na cidade. A rádio AM do grupo, uma das mais importantes do país, também me usou como correspondente. Entrei várias vezes na programação. Tudo feito, fui prá casa no início da madrugada sabendo que o caso teria muitos desdobramentos e muitas reportagens seguintes. Foi o que aconteceu. Cheguei a pedir reforço para a central de jornalismo, já que outras duas emissoras haviam enviado mais repórteres para a história. Eles negaram. Garantiram que eu resolveria sozinho sem problema. E exatamente numa dessas reportagens seguintes, aconteceu o caso que eu quero contar.

No meio da semana seguinte ao assassinato, a pressão da justiça e da imprensa eram enormes. Todos queriam saber quem havia matado o juiz na emboscada. Naquela manhã estourou a notícia: dois suspeitos haviam sido presos em Campo Grande e estavam sendo encaminhados para a polícia paulista. A matéria do dia para TVs e jornais, com certeza. Todos resolveram trabalhar na mesma linha. No fim da tarde, já perto do fechamento, eu e outros colegas fomos chamados pelo delegado seccional. Ele avisou que não gravaria entrevistas, mas deu a informação de que os presos de Campo Grande já haviam sido descartados da investigação da morte do juiz antes mesmo de chegarem à cidade. Como éramos muito conhecidos, tive o cuidado de subir na sala do delegado e checar de novo. Ele me confirmou: os dois não tinham nada a ver com a morte do juiz. Dito isso, fechei meu texto e gerei o material prá São Paulo com essa informação.

Nosso jornal de exibição nacional era o primeiro a entrar no ar. A reportagem abriu a edição. Mudei de canal prá assistir o jornal da principal concorrente e qual a minha surpresa ao ver o conhecido apresentador na escalada: "presos os assassinos do juiz corregedor". Entrei em pânico. O que eu poderia ter perdido? Tinha ficado o dia todo em cima da história. Aguardei a reportagem, que desmentia totalmente a minha. O repórter garantia que os dois presos de Campo Grande eram sim os assassinos do juiz. "Mas, como assim? Ele estava do meu lado quando o delegado descartou os dois." Não liguei prá ninguém. Na manhã seguinte um dos maiores jornais do país estampa na capa: "Presos os assassinos do juiz". Enlouqueci. O correspondente do jornal também estava junto quando o delegado deu a informação descartando a dupla. Não demorou pro meu celular tocar.

Do outro lado, uma comissão de chefes: o editor-chefe do jornal da noite, o diretor executivo de jornalismo e a coordenadora de rede. A conversa começou com um "pois é, comemos uma barriga feia aí, né." De cara eu reclamei da estrutura. Uma das redes tinha enviado dois repórteres nacionais, produtores e ainda tinham apoio da emissora local. A outra estava com um repórter nacional e mais dois regionais. E eu sozinho.

Eles reiteraram a confiança no meu trabalho, mas insistiam no caso. Nós havíamos dado exatamente o contrário da principal emissora do país. E o pior. A história dela batia com a publicação do jornal-referência do Brasil. Contei o que havia acontecido na tarde anterior e emendei: "Eles erraram. De propósito ou sei lá por qual motivo, mas erraram. Nós estamos certos". Ouvi de tudo. De "não é possível" a "absurdo". Repeti a minha tese. "Eles erraram. Nós não podemos estar certos?" Silêncio do outro lado. O editor-chefe quis saber quem era minha fonte. Não revelei. Ele pediu que eu gravasse com a fonte. Me neguei. "Aguardem o jornal da hora do almoço. Eles vão ter que desmentir". Desliguei o telefone. Dito e feito. O jornal da uma da tarde abre com a manchete: "Polícia descarta presos de Campo Grande como assassinos do juiz". Me senti vingado. O telefone tocou em seguida. Era a coordenadora de rede me parabenizando pela minha postura e pelo "furo". Afinal, havíamos dado a notícia certa um dia antes. Quem disse que os grandes também não erram? Quem souber o motivo...