quinta-feira, 30 de julho de 2009

Tiros na Fazenda

Não tenho nada contra reforma agrária. Pelo contrário. Acho, inclusive, que a divisão de terras no Brasil está longe de atender às necessidades de quem realmente precisa e tem identidade com o campo. Mas a cobertura jornalística das ações do Movimento Sem Terra na região do Pontal do Paranapanema, extremo oeste de São Paulo, me rendeu várias histórias inesquecíveis...

Uma delas aconteceu durante a ocupação, ou invasão (o termo a ser usado depende do veículo de imprensa em que você trabalha) de uma fazenda em Sandovalina, coração do Pontal. Eu estava desde cedo acompanhando a movimentação dos acampados para o principal telejornal de rede da emissora em que trabalhava. O grupo era grande. Um trator da cooperativa de assentados da região também estava sendo usado na ação, o que não era exatamente legal, já que a máquina deveria ser compartilhada por quem já tinha ganho seu pedaço de terra e não em invasões. O líder do movimento no estado dirigia o trator e comandava tudo. Atrás do veículo vinha o grupo de sem terra. O cinegrafista acompanhava cada movimento, gravando palavras de ordem, a marcha dos trabalhadores, detalhes dos rostos queimados pelo Sol e repletos de marcas das dificuldades vividas na pele por aquelas pessoas simples. A turma parou na entrada da fazenda e o anúncio foi feito: o trator iria derrubar a porteira.

"Hora de fazer a passagem da matéria"-pensei. Fui até o líder e combinei como faríamos. Ele só entraria com o trator porteira adentro, derrubando tudo, ao meu sinal. Passei pelo meio da cerca de arame farpado com o cinegrafista e me posicionei com a movimentação de fundo. Dei o sinal e a ação começou. Enquanto eu iniciava o texto, o trator derrubou a porteira e os sem terra invadiam a fazenda aos gritos. Tudo acontecendo exatamente na cena da passagem."Perfeito"- pensei. Foi quando comecei a ouvir barulho de tiros.

A reação foi rápida. Eu e meu câmera nos jogamos no chão. Os "seguranças" da fazenda estavam posicionados num platô de onde atiravam com revólveres e espingardas em direção aos invasores. Todos à cavalo. Eles só poderiam ter chegado naquele meio tempo, já que quando entrei pela cerca não tinha visto nada. Foi uma cena de guerra: gente correndo, gritos, tiros zumbindo. Olhei em direção ao grupo montado. Mesmo da minha posição pouco confortável consegui ver o dono da fazenda com uma espingarda na mão. A gente se conhecia de ocasiões mais agradáveis e por isso comecei a gritar o nome dele, tentando me identificar no meio do caos. Não adiantou. Os tiros só pararam quando todos os sem terra deixaram a fazenda. Ninguém se feriu. Hoje, a lembrança é de que tudo foi muito rápido. Não sei dizer quanto tempo, dez ou quinze minutos no máximo. Os atiradores sumiram em seguida. Levantamos, e mesmo ainda tremendo por causa do susto, terminei a reportagem e voltei com a equipe para a emissora.

Claro que a matéria abriu o telejornal da noite na rede. Muito mais do que eu esperava quando comecei naquela manhã. No dia seguinte, o dono da fazenda deu uma entrevista emblemática e um recado ao governador. De cima do cavalo, com a espingarda encostada na sela ele garantiu: "Dessa vez eu errei os tiros, mas vou treinar a pontaria e da próxima garanto que acerto!". Em quem? Nos sem terra ou nos jornalistas que ficaram na linha de tiro? E olha que eu nem estava invadindo a fazenda...

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Chumbo trocado não dói

Durante uma boa parte da minha vida de repórter, atuei na área esportiva, tanto no rádio como na TV. Como muitos, aprendi lições de improviso, bom humor e acumulei histórias. No início dos anos 90, uma cidade do interior paulista possuía uma das equipes de basquete feminino mais importantes do país. Eu trabalhava numa pequena TV educativa da cidade naquela época e, entre outras funções, era o repórter de quadra nas transmissões esportivas. Era noite de clássico. O time enfrentava seu principal rival, que representava a cidade vizinha. Além da imprensa local, estava presente a imprensa nacional. Uma grande rede também fazia a transmissão da partida e dividindo a quadra comigo estava um dos maiores nomes da crônica esportiva do Brasil. O que era uma honra acabou virando richa entre nós.

A história começou no intervalo do jogo. Naquela época o basquete era jogado em dois tempos e não em quatro quartos, como hoje. E naquela época a tecnologia "sem fio" não havia chegado. Os repórteres viviam amarrados em metros e mais metros de cabos de microfone e retorno de áudio que saiam dos caminhões de transmissão. Era necessária toda uma técnica para não virar uma "macarronada" de fios na hora dos jogos. Pois bem, naquele intervalo eu estava mais esperto e quando o juiz anunciou o fim do primeiro tempo, corri para a principal estrela do esporte no país. O "amigo" percebeu que ia ter que dividir a entrevista e, sutilmente, pisou no meu cabo. E lá se foi o digníssimo repórter que hoje escreve esse caso pro chão da quadra diante de uma torcida que lotava o ginásio. Um tombo memorável. Ele passou na volta, pediu desculpas e ainda perguntou se estava tudo bem. "Tudo ótimo. Não foi nada" - respondi. E tracei meus planos para o fim do jogo.

O time da casa vencia com tranquilidade. Nem prestei atenção no que aconteceu nos momentos finais da partida. Fixei o cabo de transmissão do rapaz. Fim de jogo. Quando ele partiu correndo prá dentro da quadra coloquei o pé. O tombo foi no mesmo nível. De cara no chão. Eu ainda passei por ele antes de chegar com o microfone da modesta TV educativa para entrevistar a estrela. Dei um tapinha nas costas do famoso repórter e, exatamante como ele havia feito, perguntei se estava tudo bem. Ele não respondeu.

Nos encontramos depois em outros tantos jogos. Ele nunca falou comigo. Mas também nunca mais pisou no meu cabo... ao contrário, passava longe...