segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Numa Redação de Verdade

Já tive a oportunidade de escrever aqui sobre como iniciei no jornalismo, ainda no interior de Minas Gerais, num pequeno jornal semanal. Pois bem. Pouco menos de um ano depois de ser "escolhido para uma profissão", acabei retornando para minha cidade natal no interior de São Paulo, cheio de planos para continuar na área. Eu tinha 19 anos, muita vontade e nenhuma formação específica que me garantisse vaga. Mas, como sempre fui atrás dos meus sonhos, resolvi bater na porta de um dos jornais diários mais importantes e tradicionais da região em busca de uma oportunidade. Claro que nem consegui ser recebido por quem quer que fosse. A desilução quase me fez desistir e eu acabei arrumando emprego de vendedor de consórcio, já que precisava de dinheiro para pagar as contas do mês da casa. Nessa época eu ainda morava só com meu pai e era o único que trabalhava.

Pouco tempo depois da minha tentativa frustrada de conseguir uma entrevista de emprego no tal jornal, aconteceu mais um fato que provou que o meu destino era mesmo o jornalismo. Eu estava com meu pai numa das ruas mais movimentadas da cidade quando ele reencontra um velho amigo. Eles haviam trabalhado juntos na área de cozinhas planejadas e ele agora era dono de uma das maiores empresas regionais do ramo. Conversa vai, conversa vem, acabaram chegando na minha vontade de continuar trabalhando como repórter. Ele era um dos maiores anunciantes do jornal em questão e se propôs a ajudar. Naquela época ninguém sonhava com e-mail, celular e outras novidades tecnológicas. Resultado: ele fez uma carta de punho, ali mesmo na rua, endereçada ao diretor comercial do jornal. "Pelo menos vou ser recebido por alguém"- pensei.

No outro dia pela manhã estava no jornal de novo, agora com a tal carta de recomendação. O diretor me atendeu. O jornal era uma empresa familiar. O diretor comercial era um dos filhos do fundador, que ainda estava vivo e tocava o jornal pessoalmente com a esposa e o outro filho, que exercia a função de editor chefe e era professor de jornalismo. Um terceiro filho, o mais novo, era fotógrafo. A conversa foi rápida. A carta pedia uma oportunidade e ele quis saber qual era o meu desejo. Não pestanejei. "Quero ser repórter"- respondi. A decisão dele me surpreendeu. Chamou o pai na sala prá me apresentar.

Quando o fundador do jornal entrou, eu gelei. Ele se apresentou rapidamente e pediu que o acompanhasse. Subi as escadas para o primeiro andar do prédio atrás dele. A sensação que eu tive ao chegar ao local ainda habita meu interior. Eu pisava pela primeira vez numa redação de verdade. Eram mais ou menos quinze máquinas de escrever de ferro, daquelas bem pesadas, antigas, e dois aparelhos de telex no canto da grande sala. Hoje, ainda sou capaz de ouvir o barulho das teclas das máquinas produzindo notícias, da chegada insistente dos textos no telex, do cheiro de tinta misturado ao cigarro, que muitos jornalistas da época não abriam mão. Observei vários rostos me dirigindo olhares curiosos. Fiquei verdadeiramente extasiado e ali tive a certeza de que era isso que eu queria prá toda minha vida. A voz forte do fundador interrompeu meus pensamentos: "Você vai escrever uma carta para o jornal, defendendo sua contratação. É o seu teste. Pode sentar em qualquer mesa."

Hora da verdade. Talvez meia hora depois estava com o texto pronto. A ordem foi voltar na tarde seguinte e procurar pelo outro filho, o editor chefe, prá saber a resposta. Não consegui dormir naquela noite. Pela manhã, não fui pro consórcio. Perambulei pela cidade até a hora marcada e me encaminhei para o jornal. O editor chefe ficava numa sala separada por vidros da redação, sozinho, onde via tudo e era visto por todos. Ele me atendeu com a minha carta em mãos e foi rápido. "Olha, acho que você tem potencial. Vamos fazer o seguinte. Você vai ficar quinze dias com a gente. Se conseguir entrar no ritmo do jornal vai ser contratado. Caso contrário, a gente paga seus dias de trabalho e você vai em busca de outra oportunidade. Aceita?"

Imagina a resposta. Claro que sim. Comecei no dia seguinte e aqueles quinze dias foram minhas primeiras lições práticas de jornalismo diário. Uma outra história que vale a pena ser contada mais adiante.