quinta-feira, 18 de março de 2010

Os Grandes também Erram...

Essa é uma das histórias que considero como das mais interessantes da minha carreira. Se o texto ficar um pouco longo, tenham paciência... vocês vão ver que vale a pena. Na época, eu trabalhava no interior de São Paulo como gerente de jornalismo e repórter de rede de uma emissora nacional. Já estava na cidade há nove anos e por conta disso tinha um excelente relacionamento com os diversos setores da sociedade. Pois bem. Naquele fim de tarde de uma sexta-feira de março de 2003 resolvi ir mais cedo prá casa. Minha mulher tinha aula e eu precisava liberar a empregada e ficar com nossos dois filhos. Mal havia colocado o pé prá dentro e o celular tocou. A informação era de que o juiz corregedor dos presídios havia sido assassinado naquele instante. Nem pensei. Liguei imediatamente prá emissora e mandei um cinegrafista pro local indicado. Pedi prá empregada ficar, me enfiei no primeiro terno disponível e parti com meu carro prá rua próxima ao Fórum onde havia acontecido o atentado.

De primeira percebi a importância da história que tinha em mãos. Falei com a chefia em São Paulo que fez os pedidos: matéria em plano sequência para o jornal popular da tarde seguinte, reportagem fechada para o último jornal da noite e link atualizando as informações. Foi tudo tão rápido que nem tive tempo de lamentar direito a morte do juiz, que além de tudo era um dos muitos amigos que eu tinha conquistado na cidade. A rádio AM do grupo, uma das mais importantes do país, também me usou como correspondente. Entrei várias vezes na programação. Tudo feito, fui prá casa no início da madrugada sabendo que o caso teria muitos desdobramentos e muitas reportagens seguintes. Foi o que aconteceu. Cheguei a pedir reforço para a central de jornalismo, já que outras duas emissoras haviam enviado mais repórteres para a história. Eles negaram. Garantiram que eu resolveria sozinho sem problema. E exatamente numa dessas reportagens seguintes, aconteceu o caso que eu quero contar.

No meio da semana seguinte ao assassinato, a pressão da justiça e da imprensa eram enormes. Todos queriam saber quem havia matado o juiz na emboscada. Naquela manhã estourou a notícia: dois suspeitos haviam sido presos em Campo Grande e estavam sendo encaminhados para a polícia paulista. A matéria do dia para TVs e jornais, com certeza. Todos resolveram trabalhar na mesma linha. No fim da tarde, já perto do fechamento, eu e outros colegas fomos chamados pelo delegado seccional. Ele avisou que não gravaria entrevistas, mas deu a informação de que os presos de Campo Grande já haviam sido descartados da investigação da morte do juiz antes mesmo de chegarem à cidade. Como éramos muito conhecidos, tive o cuidado de subir na sala do delegado e checar de novo. Ele me confirmou: os dois não tinham nada a ver com a morte do juiz. Dito isso, fechei meu texto e gerei o material prá São Paulo com essa informação.

Nosso jornal de exibição nacional era o primeiro a entrar no ar. A reportagem abriu a edição. Mudei de canal prá assistir o jornal da principal concorrente e qual a minha surpresa ao ver o conhecido apresentador na escalada: "presos os assassinos do juiz corregedor". Entrei em pânico. O que eu poderia ter perdido? Tinha ficado o dia todo em cima da história. Aguardei a reportagem, que desmentia totalmente a minha. O repórter garantia que os dois presos de Campo Grande eram sim os assassinos do juiz. "Mas, como assim? Ele estava do meu lado quando o delegado descartou os dois." Não liguei prá ninguém. Na manhã seguinte um dos maiores jornais do país estampa na capa: "Presos os assassinos do juiz". Enlouqueci. O correspondente do jornal também estava junto quando o delegado deu a informação descartando a dupla. Não demorou pro meu celular tocar.

Do outro lado, uma comissão de chefes: o editor-chefe do jornal da noite, o diretor executivo de jornalismo e a coordenadora de rede. A conversa começou com um "pois é, comemos uma barriga feia aí, né." De cara eu reclamei da estrutura. Uma das redes tinha enviado dois repórteres nacionais, produtores e ainda tinham apoio da emissora local. A outra estava com um repórter nacional e mais dois regionais. E eu sozinho.

Eles reiteraram a confiança no meu trabalho, mas insistiam no caso. Nós havíamos dado exatamente o contrário da principal emissora do país. E o pior. A história dela batia com a publicação do jornal-referência do Brasil. Contei o que havia acontecido na tarde anterior e emendei: "Eles erraram. De propósito ou sei lá por qual motivo, mas erraram. Nós estamos certos". Ouvi de tudo. De "não é possível" a "absurdo". Repeti a minha tese. "Eles erraram. Nós não podemos estar certos?" Silêncio do outro lado. O editor-chefe quis saber quem era minha fonte. Não revelei. Ele pediu que eu gravasse com a fonte. Me neguei. "Aguardem o jornal da hora do almoço. Eles vão ter que desmentir". Desliguei o telefone. Dito e feito. O jornal da uma da tarde abre com a manchete: "Polícia descarta presos de Campo Grande como assassinos do juiz". Me senti vingado. O telefone tocou em seguida. Era a coordenadora de rede me parabenizando pela minha postura e pelo "furo". Afinal, havíamos dado a notícia certa um dia antes. Quem disse que os grandes também não erram? Quem souber o motivo...

7 comentários:

  1. Com certeza!!!
    Adorei a sua postura!!! Jornalista de verdade e que confirmou e reconfirmou várias vezes com a mesma fonte tem que ir até o fim...Não importa editor falar, chefe de redação, etc...Afinal, se eles te contrataram tem que estar de acordo com o que defendeu!
    Parabéns!
    Renata Maron

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  2. Caso famoso esse, repercursão no Brasil inteiro, com certeza essa matéria lhe valeu uma aumento.
    De trabalho!
    Abraços.

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  3. Q postura exemplar! Por pouco tempo fui repórter, mas sei q volto p uma redação (Rua) para vivenciar fatos ou fazer matérias deste nível, e ser convicta, como você, da informação q apurei! Inspirador! Por instantes, me transportei p a história contada, me senti em nas páginas de um livro! rsrs

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  4. Segurança é a chave para sustentar uma boa apuração. Mais uma que reforço, aprendendo com você. Somos todos humanos em busca da notícia; uns maiores, outros menores, porém todos humanos. É por isso que os "grandes" também erram! Mas antes de me passar por um romântico jornalista em início de carreira, é preciso dizer que a motivação dos deslizes humanos nem sempre é um "equívoco" advindo da vulnerabilidade da raça. Muitas vezes os "erros" são induzidos. Quem souber os motivos...

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  5. A prática do jornalismo, infelizmente, é muito diferente do que escutamos nas salas de aula. Na busca pela audiência histórias são deturpadas, cria-se manchetes sensacionalistas e, muitas vezes, falta a ética. Dentro de nossas possibilidades, em qualquer meio de comunicação, devemos ter sempre respeito ao alvo do nosso trabalho: O cidadão.

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  6. Poxa, ler este post pra mim foi como estar numa sala de aula aprendendo qual deve ser a postura correta de um jornalista, o interessante disso é que, realmente, vou aprendendo cada vez mais com os casos, com as experiências e tudo mais... É... nada melhor do que aprender com quem vive e já viveu muito disso.

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  7. Aprendi, que no Jornalismo, a mentira tem a perna mais curta, e principalmente em televisão, que nós Repórteres Cinematográficos, temos a obrigação fundamentada na ética profissional de mostrar somente a VERDADE. também, conclusivamente , adoto a sua postura como item obrigatório em minha profissão.

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