quarta-feira, 18 de novembro de 2009

O Policial que Morreu no Intervalo

Desde que iniciei esse blog, venho contando aqui histórias mais antigas da minha carreira, apesar de nunca ter me preocupado com ordem cronológica. Mas, há mais ou menos uma semana, aconteceu uma que eu prometi postar o quanto antes. Atualmente, sou gerente regional de jornalismo de uma rede de tv nacional na Bahia e comando uma equipe de quase quarenta jornalistas que fazem cinco telejornais diários (um deles de veiculação nacional e outro de exibição em toda a região nordeste). O caso aconteceu no telejornal noturno.

Durante a tarde, um policial militar havia sofrido um atentado num dos bairros mais movimentados da cidade. Foram dois tiros disparados contra ele. O pobre foi encaminhado ao hospital e as primeiras informações davam conta de que ele estava em estado grave. Pois bem. A editora executiva, responsável pelo fechamento do jornal, orientou o repórter a contar a história sem dar o desfecho. Afinal, o quadro de saúde do policial poderia mudar e a reportagem ficaria desatualizada. Essa informação ficaria para a cabeça da matéria. O problema é que ela também resolveu colocar o assunto como destaque na chamada do intervalo e, normalmente, os fechadores adiantam esses textos. Minutos antes do jornal entrar no ar a informação chegou na redação, via apuração: "Olha gente, o policial morreu agora". Imediatamente a editora reescreveu a cabeça da matéria, reimprimiu as laudas, atualizou o TelePrompter e... esqueceu de mudar a chamada do intervalo.

Já deu prá imaginar o resultado? Na passagem de bloco, o apresentador anuncia em tom de gravidade:"Mais um policial baleado. Ele continua internado em estado grave no hospital". Entra o comercial e a primeira matéria da volta é a história do tal atentado. E lá vai o apresentador: "Mais um policial assassinado na Bahia. Morreu agora há pouco no hospital um policial baleado durante atentado no bairro..."

Eu estava na redação e havia acompanhado o desenrolar da história. A executiva desce do switcher para a reunião de avaliação: "Eu errei, a culpa foi minha"- foi a primeira frase dela ao me ver com cara de poucos amigos. Passada a reunião e as broncas de sempre vem a conclusão. A maioria não deveria nem ter percebido a falha. Mas, para o telespectador mais atento, o policial teria morrido mesmo durante o intervalo. Afinal, se ele estava em estado grave quando entraram os comerciais e na volta havia falecido... essa seria a única explicação lógica. Resta saber se alguém acreditaria numa redação com tanta agilidade para apurar e atualizar informações...

5 comentários:

  1. Mesmo com o surgimento e expansão das "novas mídias"..., a televisão ainda pode ser considerada como o "grande pajé". Sendo assim, é possível que muitos tenham acreditado na tal "agilidade para apurar..."
    No que diz respeito à particularidade do fazer jornalístico, só tendo plena compreensão do clima de uma redação e, sobretudo, do fechamento de um telejornal, prestes a ir ao ar, para ter ideia de como o referido fato pode ocorrer...

    Interessante abordagem!

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  2. Acho que agir com verdade é sempre a melhor opção. Se entrou o comercial com a chamada de que um policial estava em estado grave, poderia voltar falando que "agora a pouco morreu o policial que estava em estado grave..." RS. Vc não acha que seria uma opção, chefe? Afinal... notícia não tem hora pra chegar.

    Abç!!

    Silmara Miranda

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  3. Que coisa, hein???
    Só podia ser na Bahia mesmo...
    Hahahahahaha!!!

    beijos
    Kátia

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  4. O fundamental é a informação. O jornalismo engole diariamente uma série de barrigadas corrigidas por um número sem fim de intervalos. A credibilidade deixou de ser importante e as redações viraram comerciais da Ricardo Eletro, Insinuante e derivados. Portanto, o "erro", neste caso, ajudou na informação, porque, pior seria se anunciassem a morte e depois, segundos depois, não, não, ele não morreu, houve pressa na apuração. E o nome apuração já diz, vem de puro, livrar da impureza, purificar. E um santo não é beatificado de um dia para o outro. A a informação é algo sagrado que devemos preservar em detrimento da pressa e por vezes, da próprio probabilidade de tomar um furo. Decisão difícil? E quem disse que a vida é fácil.
    Sócrates Santana

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  5. Coisas que só pode entender quem enfrenta uma redação, o calor da notícia, a urgência do tempo e muitas outras pressões.

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