segunda-feira, 4 de maio de 2009

A tal Linha Editorial

Primeiro, vamos dar a definição oficial: "Linha editorial é a política predeterminada pela direção do veículo de comunicação ou pela diretoria da empresa que determina a lógica pela qual a empresa jornalística enxerga o mundo. Ela indica valores, aponta paradigmas e influencia decisivamente na construção da mensagem. Orienta o modo como cada texto será redigido, define quais termos devem ser usados e qual a hierarquia que cada tema terá na edição final. No meu caso, a descoberta da tal "linha editorial" foi na prática.

Em fevereiro de 1989, aos 20 anos, eu já trabalhava num dos maiores jornais diários do interior de São Paulo e, junto com um colega que também dava os primeiros passos como repórter, fui destacado para a cobertura do Carnaval. Naquele ano, o prefeito resolveu não liberar dinheiro para as escolas de samba (falidas, como sempre) da cidade. Foi uma confusão. Sambistas reclamando, o povo querendo ver o desfile... sabe Deus o motivo, porque desfile de escola de samba no interior de São Paulo é um espetáculo de fazer chorar. A solução apresentada para acabar com a celeuma foi uma tal "Folia na Praça". Simples. Grupos de samba, mulatas, bandas, tudo na praça central da cidade, de graça, para o povo aproveitar os dias de festa.

Eu e o tal amigo fomos fazer a cobertura no fim de semana. Na nossa visão, o evento tinha sido bom. Praça cheia, muita alegria. Uma opção diferente que havia sido aprovada por todos que entrevistamos. Na segunda-feira, cheios de informações, sentamos na redação e começamos a escrever. O editor tinha nos dado uma página para a história. Mais que suficiente para o texto principal, box, povo-fala e fotos. Em duas ou três horas sem descanso na máquina de escrever, estávamos com as laudas prontas. Levamos para o secretário de redação. O cara era quase sempre mal-humorado. Criticava nossos textos de maneira ácida.

Na primeira leitura já veio a bomba: "Quem mandou escrever assim ?!". Ficamos olhando um pro outro. "Tem que meter o pau nessa festinha. Fizeram uma confusão danada na porta da igreja matriz, impediram os sambistas de desfilar e vocês escrevem como se fosse um sucesso?".Engoli seco. Mas não era prá fazer uma matéria sobre o que apuramos?
Tivemos que reescrever tudo seguindo as ordens do chefe, com uma sensação de incompetência tomando conta das nossas almas recém-convertidas ao jornalismo. "Linha editorial" - foi a explicação. E mais nada. Só tempos depois descobri a relação do jornal com a Igreja (incomodadíssima com a festa naquele local), a briga política com o prefeito que negara a verba para as escolas de samba e a falta de mídia da tal "Folia na Praça" para o jornal.
Uma lição inesquecível sobre a necessidade de adequar certas coberturas. Nunca mais cometi o mesmo erro. Com linha editorial não se brinca...

4 comentários:

  1. Quirino, o pior é descobrir que hoje as pessoas já aprendem a autocensura nas faculdades. Nem dá tempo de viver um episódio interessante para descobrir os meandros da profissão.
    Um abraço e boa sorte na nova empreitada.
    Arla

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  2. Até vc se rendeu à febre dos blogs? rs. Adorei! Qt à postagem... todo início é difícil mesmo, né? Cabe a nós termos persistência e determinação para correr atrás, aprender e evoluir sempre! Abç. Silmara Miranda

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  3. Quirino...Essa sua história resume bem o dilema que vivemos dia a dia para acertar em cheio a "tal linha editorial". Afinal de contas, cá entre nós, nem sempre concordamos com ela (rs). E você foi um dos primeiros a me apresentar as diretrizes de um veículo de comunicação. Grande abraço de uma amiga-fã. Andressa Bazan.

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  4. tão de sacanagem? eu estudo RP, e sempre vi o lado tendencioso das informações veiculadas pela aquelas empresas que se dizem portadoras da liberdade de expressão, estão mais pra jabar e quem paga mais. É uma vergonha perceber cada dia mais que nossas mídias estão cada vez mais se vendendo ao invés de serem ditas imparciais, vão me dizer que sempre foi assim, mas realmente precisa continuar?
    Parabéns pela iniciativa do blog, dependendo da situação uma fresta onde se possa realmente criar valores e opiniões.

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