terça-feira, 24 de maio de 2011

Demissão garantida !

Dias atrás estava num almoço com amigos. Conversa vai, conversa vem, acabei contando um dos casos que ainda não postei aqui. Na verdade, várias histórias ainda precisam ser escritas. E pretendo escrever todas. É só uma questão de tempo e paciência dos meus fiéis leitores. Mas, vamos ao caso, que aliás, envolve o Movimento Sem Terra mais uma vez. Nenhuma perseguição, claro. É que cobertura de invasões de terra e suas consequências sempre geraram boas histórias na minha carreira.

Não me lembro bem que ano era, mas estávamos na primeira metade da década de 90, com certeza. Eu já era o repórter responsável pelas matérias de Rede na emissora onde trabalhava, no interior de São Paulo. A pauta era em outra cidade, distante da sede da emissora, e dava conta de mais uma fazenda invadida por um grande número de integrantes do MST. Eles estavam acampados há dias, o dono da terra havia conseguido a reintegração de posse e os sem terra se recusavam a sair. A polícia estava no local para fazer cumprir a ordem do juiz. Todas as emissoras nacionais estavam lá, aguardando a saída dos invasores. Até então, a matéria parecia simples. O problema é que o pessoal do movimento resolveu que não deixaria a fazenda. Aí começou minha novela.

As negociações davam sinal de que iriam se arrastar por mais de um dia. Eu avisei a redação, mas a ordem, como sempre, foi desoladora: "você fica até o fim da história". Nada de novo. O problema era o de sempre. Como não tínhamos equipe para nos "render", precisaríamos ficar de plantão, aguardando o que pudesse acontecer. Só poderíamos escapar à noite para ir no hotel da cidade (horroroso, por sinal) para tomar banho e descansar um pouco. Por volta de 5 da manhã já deveríamos estar de volta na fazenda. Tudo isso, mandando material para os dois jornais de Rede da emissora. Na época, ainda trabalhávamos no sistema U-Matic (alguém lembra, câmera e VT separados?). Pois é. Com isso, as equipes tinham quatro componentes: repórter, cinegrafista, operador de VT e motorista. A única vantagem era que o motorista ia para a emissora com a fita e podia voltar com roupa ou o que mais fosse preciso para a nossa estada. E assim passamos um dia, dois... nada de acordo entre polícia e sem terra.

No terceiro dia, chega o pessoal do Batalhão de Choque da PM. "Agora vai"- pensei. O confronto era iminente e estávamos todos à postos. Todos menos nosso motorista. Ele havia se engraçado com uma sem terra e os dois tinham sumido na Belina que era usada como viatura da emissora, sem dar satisfação a ninguém. Lá pelas tantas da manhã, o inevitável teve início. A polícia entrou na fazenda disposta a tirar os sem terra de lá. O confronto teve cenas gravíssimas. Bombas de gás, gente ferida, pedradas, gritos. Tudo o que você possa imaginar. Logo no início do embate vejo meu cinegrafista em pânico, gritando com o operador de VT. "Grava! Grava!" - e nada. A resposta do rapaz era a mesma: "não tem bateria no VT, está tudo na viatura". E, como você já sabe, a viatura não estava lá. O motorista tinha ido namorar!

O confronto em redor só aumentava o desespero do cinegrafista, que naquela altura também já era meu. Três dias de cansaço, esforço, esperando aquele momento... e nós não tínhamos uma cena sequer. O cinegrafista entregou os pontos, coitado. Largou a câmera, se afastou, sentou no chão no meio do acampamento e começou a chorar. Copiosamente. Mas isso não era tudo. Ele acabou sendo confundido com um sem terra e foi preso! Isso mesmo! Ele não conseguia se explicar para a polícia. Sem crachá, com uma camiseta comum, chorando... virou sem terra. Foi levado junto com um grupo de invasores para uma área de isolamento. Eu só descobri isso quando ouvi o grito dele, desesperado, me chamando. Fui conversar com o comandante, expliquei o mal-entendido e tirei ele de lá.

Talvez duas horas depois, a situação estava resolvida. A ação havia acabado. Tínhamos apenas o rescaldo com os sem terra sendo levados para a delegacia e o acampamento destruído. Eis que chega quem? Nosso valoroso motorista! Nem preciso contar o que aconteceu. Os três quase mataram o rapaz, que só fazia uma cara de quem não estava entendendo nada. A tal sem terra namoradeira nem ficou por perto. E o pior. Como fechar o VT para a Rede? No fim, acabamos conseguindo imagens "cedidas" por uma emissora amiga. Encaixei uma passagem no local e o material foi pro ar. Nunca tive tanto medo de perder o emprego como naquele dia... o motorista, claro, foi demitido. Sem chance de qualquer explicação.

6 comentários:

  1. Hahaahah. Me acabei d rir aqui, Quirino! Isso dá um belo filme de comédia, hein?? rs. Pensa no lado positivo: vc n teria uma história tão boa p contar se n tivesse passado por isso! Bjo!!!! Saudade.

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  2. Deus me livre passar por uma assim. mas aquele nosso PONTALZÃO véio de "guerras" tem muitas mais. o repórter que namorou a, hoje, caminhoneira famosa. o fotógrafo que precisou pedir comida pra moradores de Teodoro Sampaio. o cinegrafista que sem saber dirigir teve a obrigação de guiar assim mesmo. repórter famoso por investigações louquinho pra armar assunto. é o pontal. vivemos intensamente ali.
    Rodrigo Moterani

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  3. Esse verdadeiro sufoco é um dos ingredientes da nossa profissão. Não deveria ser, mas é. No final acaba sendo uma espécie de tempero para nosso dia a dia.

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  4. Juro que no começo do texto achei tudo muito tenso, começou a passar um filme pela minha cabeça... digamos que sei como é essa história de " no momento "auge" de um vt" algo não dá tão certo...hahahahaha Essa do motorista, só por Deus. Não gostaria de passar por momentos como esse, mas olha só: essa sua matéria é notícia até hoje! Muito boa!!!!
    Priscila Tovic

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  5. No momento, uma situação desesperadora. Hoje, uma história sensacional!!
    Aline Bueno

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  6. ahahahaha... Deus...
    adorei a história.
    O bom é que, no final, deu tudo certo.
    virei leitora assídua do blog. bjão

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